Friday, July 11, 2014

Redescobrindo a Oração- UFMBB-MR

"A oração é um ato antinatural, visto que desde o nascimento aprendemos as regras da autoconfiança enquanto lutamos para conquistar a auto-suficiência necessária para a sobrevivência humana. A oração não faz parte da orgulhosa natureza humana, pois contraria os valores de autoconfiança estabelecidos pala sociedade corrompida pelo pecado.” Bill Hybels
 Embora a asseveração de Bill Hybels seja verdadeira, na história da igreja vemos que, mesmo em meio aos períodos de trevas espirituais, a oração é vista como uma necessidade e não como uma opção. Sempre que nos sentimos acuados pelo mundanismo ou sempre que percebemos um esfriamento espiritual nos dispomos à oração, na busca do reavivamento e da unção espiritual necessária para uma vida cristã vitoriosa.
oracao2Na verdade, creio que é justamente esta atitude em relação à oração que tem nos causado tanto esgotamento espiritual, bem como tantas frustrações e aparentes derrotas nas batalhas travadas contra o mundanismo, o relativismo e o nominalismo evangélico.
Não é de admirar que haja tantos cristãos oprimidos, derrotados e deprimidos atualmente, visto que abandonamos a “joelhologia”, preferindo o emocionalismo catártico em vez do companheirismo diuturno com Deus e com o Senhor e Salvador Jesus Cristo. Esta substituição, além de ser uma tremenda burrice, nos faz perder as bênçãos advindas da presença e da ação do Espírito Santo em nossas vidas, a partir da oração.
Tudo isto nos leva a refletir sobre a necessidade de redescobrirmos a vida de oração.

A tipologia da oração
A teologia bíblico-evangélica sempre será nutrida pela oração. Mais que isso, dará atenção especial à vida de oração, visto ser a teologia inseparável da espiritualidade. A teologia não se ocupa somente com o Logos, mas também com o Espírito que revela e aplica aos nossos corações a sabedoria de Cristo.
O reformador João Calvino se referia à oração como sendo a alma da fé, e realmente é, pois a fé sem a oração logo perde o vigor. É através da oração que fazemos contato com Deus. Da mesma forma é através da oração que Deus se comunica conosco.
Quando estudamos sobre a oração verificamos que esta prática espiritual e religiosa assume formas bem divergentes, dependendo do tipo de religião ou espiritualidade em que se acha. Na verdade, identificamos seis tipos de oração: a primitiva, a ritual, a de cultura grega, a filosófica, a mística e a profética.
Na oração do homem primitivo Deus é visto como um ser superior que escuta e responde aos pedidos dos seres humanos, embora em geral, ele não seja considerado onipotente e santíssimo. A oração primitiva nasce da necessidade e do medo, e freqüentemente o pedido visa o livramento dos infortúnios e dos perigos.
A oração ritual representa uma etapa mais avançada de civilização, embora não seja necessariamente mais profunda nem mais significativa. Nesse caso é a forma e não o conteúdo da oração que traz a resposta. A oração é reduzida a litanias e repetições, por causa da crença de que há um efeito mágico nesse ritual.
Na religião grega popular a petição era centrada nos valores morais mais do que nas necessidades rudimentares simples. Acreditava-se que os deuses eram benignos, mas não onipotentes. A oração dos gregos antigos era uma forma purificada de oração primitiva. Refletia, mas não transcendia os valores culturais da civilização helênica.
A oração filosófica significa a dissolução da oração realista ou ingênua. Agora, a oração passa a ser uma reflexão sobre o significado da vida ou a resignação à ordem divina no universo. Na melhor das hipóteses, a oração filosófica inclui uma nota de ações de graça pelas bênçãos da vida.
Os dois tipos mais sublimes de oração são a mística e a profética. O misticismo, no seu contexto cristão, representa uma síntese dos temas neoplatônicos e bíblicos, mas também é um fenômeno religioso universal. Nesse caso o alvo é a união com Deus, que é geralmente retratado em termos suprapessoais. O deus antropomórfico da religião primitiva agora é transformado num Deus que transcende a personalidade, sendo ele mais bem descrito como o Absoluto, o abismo infinito ou o fundamento e profundidade infinitos de toda a existência. O misticismo vê a oração como a elevação da mente até Deus. A revelação é uma iluminação interior, mais do que a intervenção de Deus na história, como é o caso da fé bíblica. Os místicos falam freqüentemente dos degraus da oração ou dos estágios da oração, e a petição é sempre considerada o estágio mais baixo. A forma mais sublime da oração é a contemplação, que freqüentemente culmina em êxtase.
A oração profética significa tanto uma reapropriação como uma transformação do discernimento espiritual do homem primitivo. Agora, a oração se baseia não somente na necessidade como também no amor. Não é um encantamento nem uma meditação, mas uma forte expressão espontânea de emoção. Realmente, a súplica vinda do fundo do coração é a essência da oração verdadeira. A oração profética envolve a importunação que implora e até mesmo se queixa. Nessa categoria de religião profética estão não somente os profetas e apóstolos bíblicos, como também os cristãos que ainda hoje clamam por uma ação efetiva de Deus, visando transformações na história e na vida dos fiéis. O judaísmo e o islamismo, nos seus melhores momentos, refletem a religião profética, embora o misticismo também esteja presente nesses movimentos.
Devemos tomar muito cuidado com o fenômeno contemporâneo conhecido como espiritualidade secular, que é uma espécie de misticismo, onde a ênfase recai em imergir no mundo na busca de prosperidade, de curas milagrosas, de adivinhações profeteiras e de toda a espécie de egocentrismo e de realizações antropocêntricas, isto é, voltadas para o homem e totalmente distanciadas de Deus e da verdadeira devoção. Por certo a espiritualidade secular não é oração, se a analisarmos a partir dos postulados bíblicos.
Marcas distintivas da oração cristã
Na religião bíblica a oração é considerada tanto uma dádiva quanto uma tarefa. Deus toma a iniciativa, mas o homem deve corresponder (Ez 2.1,2; Sl 50.3,4). Este tipo de oração é personalista e dialógica. Importa na revelação do mais íntimo do nosso ser a Deus, mas também na revelação da vontade de Deus para nós (Pv 1.23).
Na perspectiva bíblica, a oração é espontânea, embora possa assumir formas estruturadas. Mas as formas em si devem ser mantidas de modo experimental, devendo ser deixadas de lado quando se tornam barreiras para a conversação entre o coração humano e Deus. A oração verdadeira, no sentido profético ou bíblico, jorra através de todas as formas e técnicas, pois tem a sua base no Espírito de Deus, que não pode ser limitado a uma caixa sacramental nem a uma fórmula ritualista.
Na Bíblia, a oração de petição e a intercessão são primárias, embora a adoração, as ações de graças e a confissão também tenham seu papel. Em todas estas formas de oração, porém, o elemento de petição está presente. A oração bíblica é clamor a Deus; é súplica; é derramar a alma diante de Deus; é petição, conforme lemos na Palavra:
• “Porém Ana respondeu, e disse: Não, senhor meu, eu sou uma mulher atribulada de espírito; nem vinho nem bebida forte tenho bebido, porém tenho derramado a minha alma perante o Senhor” (1 Sm 1.15).
• “Senhor Deus da minha salvação, diante de ti tenho clamado de dia e de noite. Chegue à minha oração perante a tua face, inclina os teus ouvidos ao meu clamor” (Sl 88.1,2).
• “Das profundezas a ti clamo, ó Senhor. Senhor, escuta a minha voz; sejam os teus ouvidos atentos à voz das minhas súplicas” (Sl 130.1,2).
• “Com a minha voz clamei ao Senhor; com a minha voz ao Senhor supliquei. Derramei a minha queixa perante a sua face; expús-lhe a minha angústia” (Sl 142.1,2).
• “Levanta-te, clama de noite no princípio das vigias; derrama o teu coração como águas diante da face do Senhor; levanta a ele as tuas mãos, pela vida de teus filhinhos, que desfalecem de fome à entrada de todas as ruas” (Lm 2.19).
• “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á. Porque, aquele que pede, recebe; e, o que busca, encontra; e, ao que bate, se abre” (Mt 7.7,8).
• “Não estejais inquietos por coisa alguma: antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela oração e súplicas, com ação de graças” (Fp 4.6).
• “O qual, nos dias da sua carne, oferecendo, com grande clamor e lágrimas, orações e súplicas ao que o podia livrar da morte, foi ouvido quanto ao que temia” (Hb 5.7).
Freqüentemente a oração bíblica toma a forma de importunação, de súplica apaixonada diante de Deus e até mesmo de luta com Deus. Tal atitude pressupõe que a vontade ulterior de Deus é imutável, mas a maneira de ele escolher a forma de realizar essa vontade depende das orações dos seus filhos. Ele nos quer como parceiros da aliança e não como autômatos ou escravos. Neste sentido restrito pode-se dizer que a oração altera a vontade de Deus. Mas fundamental mesmo é compartilhar com Deus nossas necessidades e desejos de tal maneira a nos conformarmos plenamente com seu propósito e vontade definitivos.
A meditação e a contemplação têm o seu papel na religião bíblica, não como estágios superiores da oração, como no caso do misticismo, mas como suplementos à oração. Em nossa meditação, a atenção não se dirige para a essência de Deus nem para a profundidade infinita de toda a existência, mas para os atos redentores de Deus na história bíblica, culminando na pessoa de Jesus Cristo. O alvo não é ficarmos distante dos tumultos e confusões deste mundo, mas nos apegarmos cada vez mais a Deus e ao próximo.
A espiritualidade bíblica tem um lugar para o silêncio, mas o silêncio da preparação para ouvir a voz de Deus.
Em contraste com certos tipos de misticismo, a piedade da fé não transcende a razão, antes coloca a razão a serviço de Deus. Uma oração pode consistir somente de gemidos, de suspiros, de gritos e brados de júbilo, mas a oração só é completa, inteira, quando há uma comunicação significativa com o Deus vivo.
Paradoxos da oração cristã
Devemos observar ainda que a oração, no sentido cristão, não nega a dimensão mística, mas também não aceita a idéia de um estágio superior na oração, em que a petição é deixada para trás. O progresso que acontece na vida espiritual é o ir além da oração mecânica, desenvolvendo a oração do fundo do coração.
Na espiritualidade bíblica ou evangélica a oração está arraigada tanto na experiência de se sentir longe de Deus, quanto na sensação da presença de Deus. É inspirada tanto pela necessidade que se sente de Deus, como pela sua obra de reconciliação e redenção em Jesus Cristo.
A oração bíblica inclui a dimensão da importunação bem como a da submissão. É tanto um lutar com Deus na escuridão como um descansar na quietude. Há um tempo para reclamação e queixas diante de Deus, mas também há um tempo sujeição e obediência à sua voz.
A fé bíblica vê a submissão à vontade de Deus surgindo após as tentativas de descobrir a sua vontade através das súplicas sinceras. A oração é um implorar a Deus para que ele ouça nossos pedidos e os satisfaça, mas é também um entregar-se a Deus, na confiança de que ele agirá no seu próprio tempo e a sua própria maneira.
A oração cristã é coletiva e individual. Achamos Deus na solidão, mas nunca permanecemos nesse estado. Pelo contrário, procuramos unir nossos sacrifícios de louvor, nossas petições e intercessões aos dos irmãos na fé. O cristão pode encontrar Deus tanto na solidão como na comunhão. Até mesmo quando pensa estar na solidão cremos que o servo do Senhor não está sozinho, mas cercada por uma grande nuvem de testemunhas, conforme Hebreus 12.1: “Portanto, nós também, pois que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo o embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com paciência a carreira que nos está proposta” (Hb 12.1).
Somos chamados para apresentar a Deus as necessidades pessoais e individuais, mas ao mesmo tempo, somos conclamados a interceder por todos os santos (Jo 17.20,21; Ef 6.18) e também pelo mundo em geral (1 Tm 2.1,2). A espiritualidade bíblica não acarreta em distanciamento dos tumultos do mundo, mas em identificação com o mundo na sua vergonha e aflição. A petição pessoal tornar-se-ia egocêntrica se não fosse mantida em equilíbrio com a intercessão, adoração e ações de graças.
O alvo da oração não é ficar absorvido na pessoa de Deus, mas transformar o mundo para a glória de Deus. Ansiamos pela bendita visão de Deus, mas, acima disto, procuramos colocar a nossa vontade e a vontade de todas as pessoas em harmonia com os propósitos de Deus. Não oramos simplesmente pela nossa proteção e felicidade pessoal, como é o caso da oração primitiva, mas pela promoção e expansão do reino de Deus.
A partir dessas considerações, qual seria então o propósito da oração? Watchman Nee responde a essa questão asseverando que Deus nos concede o ministério da oração para que possamos saber e entender a sua vontade para as nossas vidas e para a igreja. Segundo Nee, o cristão que se dedica à oração, bem como a igreja que incentiva a prática da oração na vida de seus membros consegue orar expressando a vontade de Deus para a humanidade.
Quando alcançamos a maturidade cristã não mais oramos pedindo a Deus para fazer a nossa vontade ou realizar milagres para satisfazer os interesses humanos; mas pedimos ao Pai para realizar a sua vontade, para fazer tudo aquilo que, em sua soberania e presciência, entende e determina como sendo o melhor para nós. Em síntese, conforme Nee, o mais elevado propósito da oração é permitir que a vontade de Deus seja realizada na Terra.
Além disso, a oração é como um canal do poder de Deus, fluindo em nossas vidas, para que seja manifesto ao mundo através de nós. Qualquer que seja a manifestação do Espírito de Deus o poder predominante e transformador de Deus é sempre liberado a partir da oração. Cristãos e igrejas que não oram perdem a sensibilidade em relação às manifestações divinas e os resultados identificados são: fraqueza espiritual, abatimento, perturbação e derrota.
A oração constante nos confere benefícios espirituais insondáveis. Através da oração somos revestidos de poder e autoridade espiritual (1 Re l8.26-39). Também somos quebrantados pelo próprio Deus a fim de que desfrutemos da sua presença e prestemos-lhe uma adoração perfeita e agradável (Jó 16.12; Sl 31.12 e 51). Podemos ainda afirmar que pela oração somos revestidos de poder espiritual para os embates contra Satanás (Dn 9.1-19; 10.1-17).
Precisamos orar. À luz de Mateus 6.5-13, podemos dizer que devemos orar regularmente e em particular, preservando assim uma cultura de oração em nossas vidas. Devemos orar intensamente, mas com sinceridade, sempre dando a conhecer tudo quanto se acha no nosso coração. Também é muito importante desenvolvermos na oração o senso de especificidade, como ensina Jesus.
Por fim, vale ressaltar que Jesus não nos ensinou a oração do Pai Nosso (Mt 6.9-13; Lc 11.1-4) com a intenção de estabelecer uma ladainha, de criar um ritual, de instituir uma reza, mas sim como um excelente exemplo de que a oração não é uma fórmula mágica e simplória da qual nos utilizamos somente em momentos de desespero. Oração é vida em toda a sua inteireza e amplitude. Oração é trabalho. É esforço árduo na busca de formatar a nossa mente e espírito à mente e ao Espírito de Cristo (1 Co 2.11-16).
Oremos a Deus para que o milagre da oração seja algo concreto em nossas vidas. Mas para que isto se torne uma realidade efetiva e incontestável precisamos fazer somente uma coisa: ORAR.
Fernando FernandesPastor e Professor, SP